Governo Regional da Madeira caiu. E agora?

por Inês Moreira Santos - RTP
“Eu não alimento vontades suicidárias. Neste momento o partido tem de estar unido, porque temos um combate político pela frente” Homem de Gouveia - Lusa

Sete meses depois das últimas eleições antecipadas, a Região Autónoma da Madeira está novamente numa situação de instabilidade política, uma vez aprovada, na Assembleia Legislativa, a moção de censura ao executivo minoritário de Miguel Albuquerque. O representante da República, Ireneu Barreto, anunciou que vai ouvir todos os partidos com representação parlamentar na quinta-feira e pedir uma audiência ao presidente da República ainda antes do Natal. Cabe a Marcelo Rebelo de Sousa decidir se o parlamento madeirense é ou não dissolvido. Se a decisão passar por chamar novamente os eleitores às urnas, vai ser a terceira vez que o arquipélago irá a votos desde 2023.

A aprovação da moção de censura - é a primeira vez que tal acontece na Região Autónoma - implica, segundo o Estatuto Político-Administrativo da Madeira, a demissão do Governo Regional e a permanência em funções até à posse de uma nova equipa. 

Em novembro, o Chega justificou a apresentação do documento com as diferentes investigações judiciais envolvendo Miguel Albuquerque e quatro secretários regionais, todos constituídos arguidos.

Ireneu Barreto pretende receber os partidos - PSD, PS, JPP, Chega, CDS-PP, PAN e IL - na quinta-feira por ordem decrescente de representatividade eleitoral, a partir das 9h30, prevendo terminar a ronda de reuniões pelas 17h00. Caso os partidos defendam eleições regionais antecipadas, o representante da República para a Madeira vai pedir uma audiência a Marcelo Rebelo de Sousa, transmitindo-lhe que "não há hipótese de haver um governo no quadro desta legislatura".Apesar da repetida crise política, o presidente do Governo Regional assegurou que não haverá eleições internas no PSD, considerando que isso beneficiaria a oposição. Para Miguel Albuquerque, a solução passaria por legislativas regionais antecipadas “o mais rapidamente possível”.

Quanto à situação do partido, Albuquerque rejeitou eleições e um congresso extraordinário no PSD/Madeira, justificando que não quer entrar “numa situação de fratura” que só beneficiaria os adversários.

“Eu não alimento vontades suicidárias. Neste momento o partido tem de estar unido, porque temos um combate político pela frente”, reforçou, acrescentando que será o cabeça-de-lista em possíveis novas eleições antecipadas e que está disponível para “conversar com todos os militantes”, incluindo Manuel António Correia, com quem disputou as últimas internas da estrutura regional, em março.
Oposição quer mudança

Antes da votação de terça-feira no parlamento regional, o líder do grupo parlamentar e da estrutura regional do Chega, Miguel Castro, afirmou que a moção de censura constituiu não apenas um “gesto político”, mas sobretudo um “grito de revolta” contra o compadrio, a arrogância e a corrupção que diz estarem instalados na estrutura governamental.

“O governo liderado por Miguel Albuquerque é o exemplo do que não queremos para a Madeira”
, disse, sublinhando que “a corrupção se tornou uma sombra permanente que paira sobre este executivo”.

Já o líder do grupo parlamentar do PS e da estrutura regional do partido, o maior da oposição, acusou o Governo Regional e o seu presidente de “mentiras, chantagem e sabotagem”, usando o chumbo do Orçamento da Madeira como instrumento para “tirar dividendos políticos”.

Paulo Cafôfo sublinhou que a região “não vai parar”, apesar de iniciar o ano de 2025 em regime de duodécimos, e, por outro lado, deixou claro que o responsável pela crise política motivada pela moção de censura apresentada pelo Chega não é o PS, mas os elementos do executivo envolvidos em processos judiciais e os partidos que aprovaram o Programa do governo minoritário após as eleições de 26 de maio.

“É importante tomar uma atitude”, afirmou, sublinhando que “o poder está nas mãos das pessoas”.

Pelo JPP, o segundo maior partido da oposição, Rafael Nunes afirmou que o Governo Regional enfrenta uma “crise de credibilidade” e de “instabilidade permanente criada por Miguel Albuquerque e pelo seu PSD”.

Sara Madalena, do CDS-PP, salientou que a moção de censura apresentada pelo Chega se fundamenta “em questões de justiça e de política nacional”, defendendo que o parlamento “não se pode substituir à justiça” e que é necessário “respeitar a presunção da inocência”.

E o deputado único da IL, Nuno Morna, considerou ser incompreensível e lamentável que Assembleia Legislativa, sendo a “casa da autonomia”, se deixe “condicionar” por agendas impostas por Lisboa, alegando também que a moção apresentada pelo Chega ao Governo Regional foi decidida pelo líder nacional do partido, André Ventura.

A deputada única do PAN, Mónica Freitas - que após as eleições regionais de 2023 fez um acordo parlamentar com o PSD, o que não se repetiu após o sufrágio de maio - considerou haver motivos para votar a favor da moção de censura, não por causa da “ação governativa”, mas “por uma questão de confiança política”, por vários elementos do Governo Regional estarem sob suspeita e serem arguidos em processos judiciais distintos.
Falta de união no PSD da Madeira
Miguel Albuquerque é o primeiro presidente de um Governo Regional da Madeira a ver o executivo cair com a aprovação de uma moção de censura, quase dez anos depois de ter chegado ao cargo e após vencer quatro eleições. Ainda assim, pretende recandidatar-se, caso haja novas eleições antecipadas – as terceiras desde 2023.

Mas o ainda presidente do Governo Regional pode ter desafios maiores antes de ser cabeça de lista pelo PSD/Madeira: o antigo secretário do Ambiente e Recursos Naturais da Madeira Manuel António Correia quer a “demissão imediata” do líder do PSD regional, Miguel Albuquerque, e a convocação de eleições internas no partido, às quais pretende candidatar-se também.

“Se o agora demitido presidente do Governo Regional não se demitir da presidência do partido, apresentaremos as assinaturas necessárias para, no termos dos respetivos estatutos, o Conselho Regional [do PSD] poder convocar um congresso regional extraordinário eletivo, possibilitando que os militantes possam escolher um novo presidente do PSD/Madeira e um novo candidato a presidente do Governo Regional”
, declarou após anunciada a aprovação da moção de censura.

Segundo o social-democrata, o Governo minoritário do PSD e o próprio partido chegaram a um “ponto limite e insuportável”, pelo que “há que dizer basta”.“Se o PSD/Madeira não realizar eleições internas antes das próximas eleições regionais [antecipadas], daqui a poucos meses a Madeira está com o mesmo problema de instabilidade e ingovernabilidade, acentuando os já graves prejuízos para os seus cidadãos, empresas e instituições”, afirmou.

Já Alberto João Jardim assumiu o apoio a Miguel Albuquerque se este avançar, embora tenha criticado o atual líder do PSD Madeira. Na terça-feira, no 360 da RTP3, o ex-governante regional acrescentou que tudo pode ficar na mesma porque o PSD/Madeira está desunido.

“O PSD, neste momento, está fragmentado em duas partes”, disse Jardim, frisando que se Albuquerque avançar vota nele. “É preciso unir o partido”.

Segundo o antigo líder regional, o PSD/Madeira está “desunido desde 2012” e Miguel Albuquerque “nem une nem deslapa”, por isso mantém-se “esta situação”.
Também o primeiro-ministro e líder dos social-democratas falou, na noite de terça-feira, sobre a situação política na Madeira, acusando PS e Chega de promoverem uma "cultura do caos" ao aprovarem em conjunto uma moção de censura contra o Governo Regional. Luís Montenegro considera que os dois partidos foram "longe demais" ao derrubarem o executivo da Região Autónoma.

No jantar de Natal do grupo parlamentar do PSD, Luís Montenegro comentou a crise política na Madeira, considerando que o encontro decorreu no mesmo dia em que o executivo regional caiu na sequência da votação de uma moção de censura, e não poupou críticas aos partidos da oposição que viabilizaram essa mesma moção apresentada pelo Chega.
Acusou-os de se "juntarem" para derrubar um executivo da Aliança Democrática e de recorrerem a "argumentos de lana-caprina para deitar abaixo um Governo legitimado”.

"Esta cultura do caos, do impasse, da aliança estratégica do contra, é uma cultura que não faz falta à democracia portuguesa", vincou.

Até àquela hora, Montenegro ainda não tinha falado com o presidente do partido na Madeira, mas garantiu fazê-lo “nos próximos dias” para fazer “uma avaliação política da situação”.
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